quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

E nem preciso fechar os olhos pra saber que o que espero é o que nunca virá. As últimas noites foram de in-sônia, de dentro do sono, que não conseguiu me levar. As minhas unhas roídas, ou o que sobrou delas, são o único traço de cor que restou em meu corpo: um vermelho desbotado e descascado, somente sobras do que um dia eu pintei para você. E havia me pintado inteira, há tanto e tanto tempo que me derramei em não-cor. E de não eu entendo bem. Não-nós, não-tua, não-hoje, não-nunca, não-vamos, não-foi, não-é, não-será. Mas eu sei viver com o não. E um dia farei as unhas, trocarei a camisola, despentearei os cabelos, pintarei os lábios e olharei o espelho. Ainda não-sua. Mas tão-minha, quiçá.

sábado, 1 de dezembro de 2012


Estou lhe mandando tudo aquilo que é teu e já não quero mais. Os papéis nos quais escreveu e desenhou, a minha roupa que ficou com seu cheiro, o arquivo com as fotos que tiramos junto, a menor e ultima das matrioskas que me deu de presente e, por fim, o meu diário com todos os momentos nossos que, ainda, tanto me torturam. Já não posso apagar as letras que escrevi sobre nós em minha mente, mas lhe mando o papel em que todas elas se inscreveram por minhas mãos. O que se inscreveu em mim por cada beijo nosso, por cada toque do seu corpo, por cada palavra que foi dita e por cada lágrima que eu chorei... isso não posso mandar-lhe, mas ainda lhe dou a cada dia. A menor das bonecas russas vai junto com toda essa tralha, com todo esse lixo. Ela já não tem lugar na minha estante e na minha vida. A odeio e a invejo. Pois agora sou apenas como todas as outras que ficarão por aqui: ocas e incompletas. Pois é só o vazio que ainda me cabe. O que me sobra é a falta.

Auf Wiedersehen, meine Liebe.
Já fazem duas semanas desde hoje cedo, quando peguei das mãos do carteiro a caixa de papelão rabiscadas com suas tão duras letras. Passou-se quanto tempo desde que partiu? Um mês? Um ano? Ou será que nunca esteve aqui? Lembra-se que havia lhe dito ser capaz de escrever um livro todo apenas sobre o seu modo grave de me olhar? Agora o único olhar que tenho a atravessar-me é o da gata que ronrona aos meus pés. Dissestes uma vez: "ela é a cara da mãe". Respondi-lhe de imediato que a biológica não conheci, mas bem sabia que o medo dela poderia ter sido parido por mim. "Do que tens medo?" Ah, eu sempre temi seus olhos. Porque me rasgam, me penetram e me fazer ser. Ser alguém que espera ser nós e tem medo de nunca o ser.